O valor atribuído na reforma depende dos descontos que se fazem para a Segurança Social ao longo da carreira. No caso dos trabalhadores dependentes, o contratado paga 11% do salário e a entidade empregadora 23,75%, cabendo a esta última a entrega das contribuições à Segurança Social. Fonte
Agora olho
Para as
paredes e
falo com
as paredes
Agora
olho
Para as
paredes
e
falo
com as
paredes
Hoje só penso “vês, estavas com tanta pressa…”
Agora, já me vou adaptando à solidão.
Mas, ao fim e ao cabo, a minha história é a de uma pessoa sozinha, e isso é triste.
Tinha 19 anos. O vestido de noiva custou três contos, fui comprá-lo a uma loja de noivas muito conhecida que havia em Lisboa, chamada Isabella. Fui com a minha tia porque a minha mãe não podia sair da taberna.
Casei-me no Palácio de Queluz em 1975, divorciei-me em 1982. Estive poucos anos casada.
Ele era do Alentejo e a minha mãe nunca me dava folga para ir à terra dele.
Eu passava pouco tempo em casa, porque ou estava na retrosaria ou estava na taberna.
Ora, diga-me só, pessoas que já têm tendência a procurar outras…
Ele andava livre como um passarinho.
Eram mentiras atrás de mentiras, muitas amantes.
Deixei a retrosaria em 1997, quando abri o Café Marta, com o nome da minha filha, na Tapada das Mercês. Até então, nunca tinha feito descontos para a Caixa, era como hoje, toda a gente fugia a pagar impostos. Ao início, a minha mãe dizia: “Não é preciso, o João tem ordenado, se acontecer alguma coisa tens a pensão do teu marido.” Aluguei um espaço, tive de fazer obras, pôr gás canalizado, ter um alvará... Começou bem, porque havia muitas construções à volta, mas depois dava pouco.
O valor atribuído na reforma depende dos descontos que se fazem para a Segurança Social ao longo da carreira. No caso dos trabalhadores dependentes, o contratado paga 11% do salário e a entidade empregadora 23,75%, cabendo a esta última a entrega das contribuições à Segurança Social. Fonte
Saía de casa às seis da manhã e chegava às dez da noite. Nunca consegui tirar um ordenado certo para mim. É muito mais difícil ser patrão do que empregado, são muitos encargos. Fazia as contas todas e dividia pelos 30 dias do mês, quando abria a porta já sabia que ao fim do dia tinha de ter aquele x de lucro para as despesas.
Era muita coisa junta, tudo a correr mal, tudo a correr mal… Nessa altura, pensei em matar-me.
Nessa altura, pensei em matar-me.
Mas depois digo assim: “Então, tenho cá a minha filha e vou-me matar?
Não, não pode ser…” Pensei atirar-me para o comboio. Mas depois também pensei:
“Então, mas as pessoas vão para o trabalho e o comboio fica ali parado? Vão chegar tarde ao trabalho por minha causa?”
É um pensamento ridículo, mas… Isto foi quando o café começou a correr mal, eu tinha uma depressão.
Uma depressão, não, que isto agora tudo é depressão, apanhei um princípio de um esgotamento.
Mas depois passou. Um problema psicológico é um problema de saúde, mas nós temos de levantar a nossa auto-estima.
Também não sei como é que isso se faz, mas pronto…
Sempre se deu bem com os patrões. Não guarda raiva nem daquele que diz ter-lhe ficado a dever uma indemnização de sete mil euros. Tinha “bom feitio” e até lhe chegou a oferecer uma viagem à Madeira. Afinal, apesar dos pesares, tratavam-na bem, com dignidade. E, quando isso nos escasseia, assume um valor inestimável.
Depois de ter trespassado a loja, o meu genro tinha conhecimentos e arranjou-me logo um
restaurante para ir trabalhar em Lisboa. Chamava-se Great Food e ficava perto da Assembleia
da República.
Esse restaurante acabou por fechar e os donos abriram outro aqui, ao pé de mim.
Mas, entretanto, esse café também mudou de dono e de sítio, o patrão queria crescer e fomos para um grande armazém em Albarraque.
Aí, estive três anos. Era eu e uma ajudante a cozinhar, todos os dias, para 150 pessoas.
Tudo comida tradicional portuguesa! Cá as estrangeiras e essas coisas assim não! Não, porque nunca me dediquei a isso. O caril não é português, mas também fazia um bom caril à moda de Moçambique. É uma maravilha. Não me estou a gabar, os clientes é que diziam… E uma boa cabidela, umas favas à portuguesa… Havia um senhor que dizia que eram as melhores favas do mundo. O que me deixava danada era quando pediam omeletes. Vir ao restaurante e comer uma omelete? Às vezes, chegava à cozinha e dizia tantos nomes feios… porque para uma omelete se poder moldar bem o fogo tem de estar no mínimo, eu tinha de ficar ali ao lado do fogão. Dizia “aquele camelo…” Mas não dizia camelo, dizia aqueles nomes fortes, de alhos e coza-se. Ninguém ouvia e eu desopilava o fígado.
Com a crise, de cento e poucos almoços, passámos para menos de 40 e o restaurante fechou. Fui para o fundo de desemprego, pela primeira vez, em 2011.
É o nome comummente usado para referir o Subsídio de Desemprego. Pode receber este subsídio da Segurança Social quem, involuntariamente, deixou de ter um contrato de trabalho pago e está inscrito no centro de emprego. Corresponde a 65% do salário médio recebido no ano anterior à situação de desemprego, podendo variar entre 435,76 e 1089,40 euros, para trabalhadores por contra de outrem. Há regras específicas para trabalhadores independentes, empresários em nome individual e gestores e administradores de empresas. Fonte
Por mês, tinha de procurar três empregos e de trazer um papel carimbado e assinado como comprovativo.
A 1 de Outubro de 2016, os desempregados deixaram de ter que se apresentar a cada 15 dias nos centros de emprego ou juntas de freguesia, procedimento a que eram obrigados para provar a procura activa de emprego e, assim, garantir o subsídio de desemprego. Fonte
Uma vez, fiquei tão triste… Fui entregar um currículo e disse “Olhe, estou desempregada, aceita o meu currículo?” A pessoa aceitou e, logo de seguida, deitou-o no caixote do lixo. Quando estamos desempregados, também somos chamados para formações. Fiz formações de inglês, francês, computadores, higiene alimentar… Mas é só para fazer número, mais nada. Enquanto fazemos formações, não contamos como desempregados. Servem para passar o tempo, convive-se com outras pessoas, mas não nos ajudam a arranjar emprego.
É considerado desempregado alguém que não tem um emprego e está imediatamente disponível para trabalhar. Pessoas que se encontrem sem trabalho e estejam integradas em programas especiais de emprego ou formação profissional são consideradas “ocupadas” e não integram o cálculo da taxa de desemprego. Pessoas que se encontrem sem trabalho e, por motivos de saúde, não reúnam condições imediatas para começar a trabalhar são consideradas “indisponíveis temporariamente” e também não integram o cálculo da taxa de desemprego. Fonte
Agora, o meu trabalho é cuidar da minha mãe que caiu e partiu o colo do fémur. Vou para lá todos os dias, menos ao fim-de-semana. Tenho o subsídio de desemprego, mas, com baixa de assistência à família, já não tenho de andar à procura de emprego. O meu sobrinho Diogo apanha-me aqui por volta das oito horas. Tomo o pequeno-almoço, vamos beber um cafezinho e deixa-me em casa da minha irmã, que é onde a minha mãe está a ficar.
A minha mãe escolheu-me o namorado, marcou-me o casamento e fez-me o divórcio.
Mas a culpa não é dela, é minha, porque consenti isso tudo. Uma mãe decidir a vida de uma filha é um peso que não sei explicar. Uma mágoa… uma tristeza… Mas eu já analisei isso há muitos anos, agora é a revolta. Porque é muita coisa junta, muita coisa junta, muita nega… coisas ruins, negativas.
Antes, costumava sair para fotografar. Ando sempre com a máquina dentro da mala, mas agora não me tem apetecido tirá-la.
Mas isso não pode continuar, tenho de mudar o ritmo, que também me sei analisar. Adoro ver o mar zangado, gosto de ver aquelas ondas, aqueles bateres da água a saltar… Também gostava muito de cinema, mas há muito tempo que não vou. Com o passar dos anos, vamos perdendo a vontade de tudo. Para não me sentir inútil, às vezes, também vejo livros de culinária e, quando tenho dinheiro, vou nessas excursões baratinhas. Gosto de viajar. Viver em casa não é viver. Agora, olho para as paredes e falo com as paredes.
Quando estava a trabalhar, ganhava 900 euros por mês, agora ronda os 435 de subsídio de desemprego e enviaram-me uma carta da Segurança Social a informar que vou passar ao subsequente, que é 80% do que recebo agora. Agora, com esta loucura das casas, o senhorio também já me avisou que tenho de sair até novembro de 2020.
Tem direito ao subsídio social de desemprego subsequente quem já recebeu todas as prestações de subsídio de desemprego a que tinha direito e continue desempregado e inscrito no centro de emprego, com uma média de rendimentos do agregado familiar inferior a 278,89 euros por mês, o equivalente a 80% do indexante dos apoios sociais (348,61 euros). Fonte
Vou para um rés-do-chão que a minha mãe tem alugado no Cacém, mesmo ao lado da retrosaria.
Se vir que a reforma vai ser pequena e tiver de me reformar antes do tempo, pode ser que arranje um part-time, uma coisa qualquer. Até a tomar conta de alguém ou a passar a ferro, não tenho problemas, faço qualquer coisa desde que seja honesta. Não penso no futuro, não posso pensar no futuro. Se começar a pensar… que não posso pagar as despesas, fico em parafuso.
Marta tinha sido apresentada como uma mulher de sucesso, sempre ocupada. A convite da mãe, aparece no segundo dia em que nos encontramos. Guiomar não cabe em si de felicidade: “Quem a viu e quem a vê, a minha filha com paciência para andar aqui comigo.” Falam de trivialidades, da família, de histórias passadas. E partilham, pelo menos, uma filosofia: falar o menos possível dos problemas, reduzir-lhes a importância, enxotá-los antes que penetrem camadas mais profundas.
Tenho uma filha casada que está na casa dela, mas não há espaço para mim. Não tenho ninguém… É a minha filhota, a minha Marta. Temos uma boa relação, mas muito fria, sempre foi assim, é o feitio dela. Vemo-nos pelo Natal e pela Páscoa. Ao sábado, telefono-lhe ou ela telefona-me: “'Tá' tudo bem? 'Tá' tudo bem...” E pronto, o que é que eu vou fazer?
Gostava de voltar a trabalhar na área da restauração. É uma coisa que deve ter nascido comigo, gosto muito de falar, lidar com o público. Realiza-me. Mas não sei se vai acontecer… vou fazer 64 anos, é muito difícil arranjar emprego. A sociedade não quer pessoas da minha idade atrás de um balcão. Querem novos. Os patrões de agora pensam que já sou velha, mas não me sinto velha.
Temos de ser positivos. Não me posso deixar ir abaixo, não devo. A gente até pode estar preta cá dentro, mas por fora tem de sorrir.
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